sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Há 20 Anos, um Mar de Esperança

Texto: Jorge Mangorrinha/ Imagem: Dmitriy Shostakovitch, official postcard, in http://aoencontrodasaguas.blogspot.com/2010/08/ha-20-anos-um-mar-de-esperanca.html
 
 
Todos juntos no paraíso
Hoje é o Dia Internacional da Juventude. A este propósito, é bom lembrar o primeiro dos grandes projectos comemorativos dos Descobrimentos Portugueses, que foi lançado, há 20 anos, pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, desafiando as autarquias portuguesas a realizarem um concurso literário entre os jovens até aos 25 anos. O objectivo foi juntar no “Cruzeiro Europa Jovem” um representante de cada concelho, através do concurso subordinado ao tema “Descobre a Tua Terra”, também a propósito do Ano Europeu do Turismo. Tive o grato prazer de ter sido escolhido como representante das Caldas da Rainha, para uma memorável viagem de partilha dos aspectos que uniam os jovens portugueses nesse tempo.
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Eu acabara no Verão desse ano o curso de Arquitectura. Concorrera com um texto onde propunha um percurso pelos aspectos históricos e culturais do centro urbano das Caldas, captando o pormenor ou chamando a atenção para as praças e as ruas, nunca deixando de referir os actores principais da urbanidade, que são afinal as pessoas que melhor traduzem a história e a vida de um lugar. Já nessa altura, este centro urbano era questionado acerca das suas memórias versus novas intervenções.
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O "Cruzeiro Europa Jovem" reuniu, de 22 a 28 de Agosto de 1990, mais de 400 jovens do continente e ilhas, bem como convidados que representaram as associações juvenis e as juventudes partidárias. A viagem decorreu a bordo do paquete soviético Dmitriy Shostakovich, cuja tripulação era originária daquele pais, num mundo estranho e desafiante no meio do mar, entre Lisboa, Casablanca, Las Palmas e Funchal.
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O nome provém do compositor russo (1906-1975) que apesar de trabalhar para o governo estalinista sofreu deste a opressão e diversas tentativas de censura, continuando a lutar pela independência artística até ao fim da sua vida. Sem dúvida, um bom tónico para nós que tínhamos alcançado, por via das artes da escrita, este cruzeiro e esta viagem.
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No cais da Rocha do Conde de Óbidos, à partida, as famílias juntaram-se. Vinham de todos os lados do país para assim se despedirem daqueles para os quais, certamente numa grande parte, era a sua primeira grande viagem, a viagem inaugural e iniciática de umas quantas coisas. A primeira imagem, logo após a entrada no navio, era a que nos juntava nos varandins, acenando, quais tropas viajando para as ex-colónias, mas com diferenças: em vez da guerra, a folia, e o “adeus até ao meu regresso” era daí a uma semana.
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Logo que o navio descolou, outro ritmo de vida começou. Difícil era estar em todo o lado: a discoteca, o salão de dança, os debates, o cinema, os jogos, o exterior a ver-o-mar e as estrelas ou a dar um mergulho na piscina. Tudo menos a dormir, porque o tempo convidava a muito do novo que esta experiência permitia. As noites eram sempre longas.
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Havia o perigo de os painéis de reflexão e debate poderem vir a ser pouco frequentados, mas não. Os temas para os jovens, oriundos de um país, todo ele, ali representado, eram suficientemente interessantes: os Descobrimentos, a Europa, a política e o futuro de Portugal. Lembro que, nos debates de há 20 anos, foram postas questões que revelaram preocupações que acabariam por se concretizar: “O que é que nos vai acontecer em termos profissionais, quando em 1993 se abolirem as fronteiras europeias? Precisaremos depois de emigrar para arranjar emprego? Será que os jovens vão ser ouvidos? O que é afinal a política?”
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O mundo hoje em dia é diferente, mais global, e os interesses mudaram, o que por si só faz perigar os níveis de participação cidadã e pública. Esta mudança acaba até por fazer esquecer os problemas de há duas décadas, por exemplo as manifestações de jovens contra as políticas governamentais, nomeadamente na área da educação.
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Entretanto, muitos dos participantes talvez já tenham tido alguma experiência política; eu, por mim, já tenho a minha conta, não sei se por agora, ou definitivamente, porque a política é mesmo a arte efémera.
Confesso que também a memória já se me escapa de pormenores sobre a experiência de há 20 anos no alto mar, dado que a vida tem dado muita volta. Consta que havia um padre a bordo, mas não dei por ele, ou pelo menos já dele me não lembro. Reza noutras crónicas que afirmou que, passada uma década, a humanidade estaria muito mais equilibrada. Mas passaram duas e acho que não.
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As escalas deste cruzeiro serviram para conhecer ou reconhecer as cidades do itinerário. O porto e os cheiros de Casablanca, as ruas hispânicas de Las Palmas, a exuberância do Funchal, de que a chegada por mar ainda hoje se tornou inesquecível, apesar de previamente termos passado um troço de mar bastante ondulante que nos fez indispostos a todos. A chegada a Lisboa foi antes das 7 da manhã, depois de uma noite quase sem pregar olho, se bem me lembro! O Sol nasceu, quando se vislumbrou a terra, onde nos esperava quem estivera no primeiro dia.
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Este cruzeiro foi essencialmente virado para dentro, para as pessoas que se conheceram e conviveram durante uma semana, como se não mais a vivêssemos, assim, ou jamais nos pudéssemos voltar a ver.
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Assim foi, até hoje!

12 de Agosto de 2010
Dia Internacional da Juventude